Há mais de uma década que novembro é o mês de conscientização sobre saúde masculina no Brasil. A campanha Novembro Azul foi criada na Austrália em 2003 e ganhou o mundo sobretudo para prevenir o câncer de próstata.

Por aqui, esse câncer é o segundo mais frequente, atrás apenas do câncer de pele não-melanoma. De acordo com estatísticas do Instituto Nacional de Câncer, a doença fez 15,9 mil vítimas fatais em 2019.

O diagnóstico precoce é a única garantia de melhores resultados no tratamento. O problema é que na solução mora também uma armadilha.

Esse tipo de câncer é silencioso nos estágios iniciais, e uma parcela considerável da população masculina ainda negligencia o cuidado com a própria saúde.

Segundo informações da Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com o Ministério da Saúde e a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), 82% das mulheres foram ao médico em 2019 – entre os homens, apesar de ter havido um aumento em comparação a anos anteriores, a proporção ficou em 69% (em 2013, era de 63%).

Sete em cada dez homens que procuram assistência médica o fazem por pressão da esposa ou dos filhos.

Seja por orgulho, medo de um diagnóstico desfavorável ou de uma possível cirurgia, a ida ao consultório acaba protelada.

A vantagem é que a urologia é uma área que se beneficiou de técnicas robóticas e minimamente invasivas para otimizar diversas etapas de seus procedimentos e reduzir os riscos de complicações aos pacientes.

No Brasil, um dos nomes responsáveis por esse avanço é o do médico Victor Srougi, principalmente com seu trabalho com biópsias transperineais.

Ele é doutor pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), fez pós-graduação em cirurgia minimamente invasiva na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, em Uro-Oncologia no Hospital Sírio Libanês e em cirurgia robótica no Instituto Montsouris, da Universidade Paris Descartes, na França.

Atualmente, é médico do setor de Laparoscopia e de Tumores de Adrenal da Urologia do Hospital das Clínicas e instrutor de laparoscopia urológica, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Além disso, Victor é filho do cirurgião e professor da Faculdade de Medicina da USP Miguel Srougi, um membro honorário da Academia Nacional de Medicina, reconhecido internacionalmente pelo pioneirismo na urologia e pela intensa publicação científica – ele tem mais de 820 artigos publicados.

Miguel é o idealizador do Instituto da Próstata do Hospital Moriah – hospital, aliás, onde Victor atua hoje como chefe de equipe de Ensino e Pesquisa.

Entre os milhares de pacientes atendidos nos últimos 50 anos por Miguel figuram nomes como Michel Temer, Joseph Safra e Abilio Diniz.

Em entrevista a Future Health, Victor Srougi falou sobre novas técnicas, sua paixão pela área e a influência do pai.

O câncer de próstata é o segundo câncer mais letal entre os brasileiros. A partir da sua experiência, como é possível reverter esses números no país?

Não há uma maneira eficaz para prevenir o câncer de próstata. Por isso, para reduzir a letalidade, é necessário fazer o diagnóstico precoce. Quando descobrimos o câncer no início, curamos definitivamente mais de 90% dos pacientes.

Qual é afinal a frequência ideal para consultar um urologista?

Idealmente os homens devem ir anualmente ao urologista para fazer o toque da próstata e colher o PSA [exame sanguíneo].

Diversas pesquisas comprovam que as mulheres vão mais ao médico que os homens. Você vê essa resistência masculina no seu consultório?

Essa tendência está mudando com o tempo. As novas gerações aceitam melhor o exame do toque. Essa mudança se deve principalmente às campanhas de conscientização como o Novembro Azul e à exposição constante na mídia sobre doenças urológicas. As brincadeiras, piadas sobre o tema até ajudam a desconstruir esse tabu e tornam o processo mais descontraído.

Como funciona a biópsia perineal da próstata? E quais são as vantagens em relação à biópsia convencional?

Ambos utilizam um ultrassom através do reto, como se fosse um toque, para orientar a entrada das agulhas na próstata. A diferença é que na biópsia convencional ou transretal, as agulhas que colhem os fragmentos da próstata entram pela mesma via que o ultrassom e atravessam a parede do intestino para chegar no alvo. Já na biópsia transperineal, as agulhas entram pela faixa de pele entre o ânus e o escroto [períneo]. Como o intestino é colonizado por inúmeras bactérias, na biópsia transretal há a possibilidade de contaminação da próstata. O risco de infecção na próstata após esse procedimento é de cerca de 5%.

Na biópsia transperineal, o risco de infecção é menor do que 0,5%, já que a pele não contém tantas bactérias e pode ser facilmente esterilizada.

Além disso, na biópsia transperineal não há risco de sangramento retal, que ocorre em cerca de 10% dos pacientes após o procedimento pelo método convencional. Esses dados culminaram com uma recomendação recente da Sociedade Europeia de Urologia de que todas as biópsias de próstata devem ser preferencialmente realizadas pela via transperineal. Essa tendência deve ser difundida no resto mundo nos próximos anos.

Esse procedimento não é novo. Por que ele voltou a ser recomendado?

Por ser mais seguro para o paciente, principalmente quando se trata de infecções. Isso também implica numa redução de gastos das seguradoras e convênios, que não precisam tratar as complicações. Pelo mesmo motivo, é menos traumático para o paciente.

Você poderia explicar como funciona a sua técnica de cirurgia minimamente invasiva?

Existem diversas técnicas de cirurgia minimamente invasiva, desde cirurgias pela uretra para tratar problemas na próstata, cirurgia laparoscópica e robótica para acessar órgãos abdominais e corrigir suas patologias e procedimentos com agulhas, introduzidas pela pele até o rim, para destruir tumores através de congelamento ou superaquecimento.

Na sua opinião, quais inovações tecnológicas recentes mudaram a maneira de tratar pacientes na sua área?

Todas as técnicas minimamente invasivas, após terem a eficácia comprovada, diminuem o risco de complicações, aceleram a recuperação e, portanto, diminuem o trauma emocional do paciente num momento frágil, em que ele tem que passar por algum tratamento. Houve uma tremenda mudança com as cirurgias para tratar o crescimento benigno da próstata, tumores urogenitais e outras doenças benignas.

Ainda sobre mudanças na urologia, se você pudesse apostar em alguma tecnologia promissora que pode trazer grandes ganhos para a sua especialidade no futuro, em quais você apostaria?

Antigamente repetia-se o jargão: “Grandes cirurgiões, grandes incisões”. Hoje as cirurgias reduziram-se a pequenos furos na pele [laparoscopia ou robótica]. Mais ainda: fazemos tratamentos com agulhas ou máquinas que emitem ondas de ultrassom à distância e são capazes de destruir um tumor na próstata. Vamos chegar a um ponto em que as medicações serão as protagonistas, e não mais os cirurgiões. Terapias gênicas, fármacos ligados a moléculas radioativas capazes de destruir tumores e vírus reprogramados para destruir alvos específicos ocuparão o lugar das cirurgias.

O seu pai, o professor Miguel Srougi, é um dos maiores urologistas do país. Como a carreira dele influenciou a sua decisão de se dedicar à mesma área?

Meu pai influenciou minhas escolhas por duas razões: primeiro, fui exposto à urologia desde criança, o que contribuiu para despertar minha curiosidade e interesse sobre a área.

Segundo, porque ele é meu modelo e, obviamente, me espelho em sua trajetória.

Existem pontos negativos de ter o pai como uma figura proeminente na mesma área, mas certamente são irrelevantes diante de todas as vantagens que tive no convívio intenso entre pai e filho, tendo o privilégio de aprender com o exemplo, não só sobre teoria urológica mas também sobre humanismo, que é a sua principal marca.

Vocês costumam trabalhar juntos? Poderia compartilhar alguma lição que você aprendeu com ele e que leva para o seu dia a dia como médico?

Trabalhamos intensamente juntos. A empatia que exerce em cada consulta, com a equipe de saúde, com os funcionários do hospital, desde os diretores até o porteiro, com todos que cruzam o seu caminho, é a principal lição. Ele espalha a felicidade no seu entorno e com isso, cercado de pessoas felizes, também vive mais feliz. Os pacientes tratados por ele, num momento difícil de sua existência, por qualquer que seja o problema de saúde, são contagiados por esse astral e também têm o seu sofrimento aliviado.

O que motiva você a ser urologista hoje?

Hoje já não pontuo mais os motivos. É irracional. Como uma paixão.

Fora do consultório e dos centros cirúrgicos, o que inspira você?

Minha família é o alicerce da minha vida. Fico feliz ao sair de casa cedo para trabalhar, mas fico feliz também de poder voltar e encontrar o sorriso doce da minha esposa e das minhas filhas. Minha válvula de escape no dia a dia é a natação, e meus sonhos são sobre minhas próximas pescarias, que me levam a aventuras em lugares ermos e me lembram que sou só um ser humano insignificante diante da natureza imponente.

Que notícia você gostaria de ler sobre sua especialidade no jornal amanhã?

Manchete: “Novo aclamado presidente do Brasil é médico urologista!” [risos]. Brincadeira.

Gostaria que se falasse mais sobre:

1. Quando as cirurgias minimamente invasivas devem ser deixadas de lado.

2. O uso indiscriminado da reposição de testosterona.

3. A angústia dos casais inférteis.

Fonte: Entrevista cedida à repórter Pâmela Carbonari e publicada no portal Future Health em 29/11/2021. Link para acesso: https://futurehealth.cc/terapias-genicas-radiofarmacos-substituir-cirurgias-urologista-victor-srougi/


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